Harmonizações energéticas, funções do Feng Shui Tradicional e, posteriormente, o tema momentos energéticos – desafios globais e pontuais. Nos dois artigos anteriores (podem ser lidos na minha coluna do site do Jornal O Legado), introduziram-se assim os pressupostos para uma abordagem consciencial, menos transcendental e mais desmistificante para o Feng Shui e Astrologia Chinesa, assuntos estes costumeiramente tão fundamentadas nas influências maiores e resumidas em intervenções externas, em afirmações muitas vezes baseadas no “rápido e fácil”, na colocação de uma cura misteriosa ou na pintura de uma parede numa cor exata para se garantir o equilíbrio energético da casa que garantiria a tão almejada abundância financeira, saúde estável e relacionamentos otimizados.

Nessa terceira parte, serão abordados assuntos que, por natureza, já são, no mínimo, polêmicos e estruturalmente complexos: Modelos de pensamento, construção de mundo (ou verdades referenciais) e modificação da percepção, tópicos que procurarão contrapor ainda mais os “novos” (ou ao menos transitórios) princípios aqui apresentados à ideia estática de uma verdade universal da natureza nas quais se deitam, por vezes, as regras supostamente imutáveis e idealizadas do misticismo (no caso, a metafísica chinesa).


Por mais óbvio (ou surpreendente) que possa parecer, adotamos um modelo de pensamento, que se refere, de maneira muito resumida, a um “sistema de pressupostos” que procura responder satisfatoriamente a maioria das questões existenciais da humanidade, determinando, assim, uma fundamentação de crenças baseadas num misto de metodologia empírica, percepção e preservação da espécie, através de infraestruturas ético-morais de funcionamento de mundo, além da vida em si (origens, funções e expressões, sejam de cunho físico ou considerações além da matéria). Dessa forma, as ditas “verdades absolutas” só podem ser concebidas (e, portanto, assumidas) pela ação do filtro do modelo (no que se optou por acreditar), sendo que a representação e perpetuação do conceito somente pode continuar de dentro do próprio paradigma.

Mesmo hoje aparentando uma distinção, as bases do ocidente e oriente se originaram da Indochina, que fundamentou os pilares, tanto das sabedorias hindu, tibetana e chinesa (para citar algumas), quanto da filosofia grega. No que se chama hoje de visão ocidental, é notório o modelo de pensamento socrático-platônico de base aristotélica, condicionantes para um olhar deveras transcendental (enquanto noção de ideal), desdobramentos estes que atingem não somente a maneira como se considera a espiritualidade e a religiosidade, mas também a práxis de vida e comportamento como um todo.

Nesse ponto referencial, defende-se a hipótese de uma grande influência da visão platônica na maneira de se entender e lidar com os princípios do Kan Yu, talvez em parte pelas considerações das origens abordadas acima, ou quiçá pelos equívocos conceituais na adaptação dos clássicos chineses para a linguagem latina. Assim, o autor acredita que o Feng Shui (até mesmo o Clássico, Tradicional ou Científico, como muitos gostam de reforçar), é baseado numa visão transcendental, mesmo existindo um apelo técnico. Como transcendência entende-se efeitos ou mudanças baseadas no vínculo a uma força maior, seja um deus, um orixá ou uma energia cósmica. Nesse aspecto, percebe-se a noção de lealdade a uma fonte / crença, onde o cumprimento de regras (e por vezes via submissão ou resignação) garante um retorno, seja proteção, abertura de caminhos, etc. Note que se define um relacionamento sempre “de cima para baixo” (seja pela sublimação, onde se almeja pular algumas etapas, ou pela própria transcendência, que significaria eliminar “todas” elas), em que tal força externa, melhor e completa extingue os problemas momentâneos, limpa os processos em crise e afaga as nossas carências, digna de um bom pai / mãe, não havendo assim nenhuma necessidade de realizar quaisquer questionamentos ou mudanças internas além do reforço da crença no filiador. Se esse argumento parece ser muito exagerado para a dinâmica do Feng Shui, sugere-se trocar os termos “vontade divina” pelas áreas do Ba Gua e “fé na palavra do senhor” por curas com 5 elementos, que talvez isso faça algum sentido. Aliás, um dos tópicos mais interessantes para ilustrar tal argumento se baseia nas considerações sobre o chamado Wu Xing (5 Ciclos).



As 5 Transformações do Qi e os Fragmentos do Olhar


A referência das 5 Transformações parece ter sido documentada pela primeira vez pelo sábio chinês Chou Yen (350-270 a.C.). O termo chinês sobre os 5 Elementos são, na realidade, ciclos energéticos intrínsecos ao próprio Qi e não deveriam ser analisados como sendo elementos isolados um do outro (como talvez ocorre na visão mística ocidental atual dos 4 Elementos, de origem grega). Compreender como o Wu Xing flui, seja no corpo, na casa ou no próprio cosmos era, pela visão dos mestres orientais, desvendar a linguagem da Natureza.    É preciso esclarecer que, na realidade, os 5 Elementos não está ligado, pelo menos diretamente, ao seu correspondente físico. Os chineses pensaram no equivalente material dos elementos como exemplos ou consequências arquetípicas de uma interpretação base, mas não como as energias em si. A palavra Xing (ou Hsing) não tem paralelo nas línguas ocidentais; e tradução formal (elemento) não é apropriada (semanticamente, a versão mais correta seria transformação, fase ou ciclo do Qi). Então, mesmo usando a palavra elemento, é importante frisar que se trata de um aspecto mutável da Energia Vital e não de uma pilha de madeira, um balde com água, uma pedra ou o fogo de uma vela. Em resumo, entende-se, na China, que o Wu Xing são tipos de energia (ou interpretações destes) que interagem na formação do universo (pelo olhar humano, naturalmente); é o que mantêm o mundo “estável”, propiciando equilíbrio dinâmico a um sistema.

Já por uma perspectiva consciencial do Wu Xing, e sobre a premissa do Qi como sendo uma Energia Metabolizada Neutra, resultado da interação entre as Consciências Maduras (planetas, estrelas, centros de galáxias, etc) e a Energia Cósmica Primordial, pode-se considerar que absorvemos, de fato, um Qi Cósmico-Terrestre, resultado de um “sentir universal” (sobretudo oriundo do Sol, na nossa referência perceptiva) mas com a “assinatura energética” da Superconsciência Terra (vide artigo anterior).

Nesse sentido, o que seriam os 5 Ciclos do Qi? Provavelmente, o resultado da interação entre a Energia Metabolizada e o nosso filtro emocional, uma tentativa de descrição empírico-cognitiva de uma energia mais ordenada e neutra, traduzida como linguagem humana do que seria o mundo e o seu funcionamento, pelo limite do paradigma pessoal, no caso o físico. Sob esse ponto de vista, o Qi não seria um tipo de energia da natureza, mas sim o resultado do olhar do homem sobre a vida em si, a partir dos julgamentos, certezas e verdades estabelecidas pelo filtro da percepção. A natureza seria o “espelho” neutro do processo, que estabelece os parâmetros do que se escolhe ou se consegue enxergar de si mesmos e do externo. A virtude dos chineses foi fundamentar uma linguagem dinâmico-poética sobre a constituição do que poderia ser a Realidade, uma metodologia profunda e ao mesmo tempo singela sobre o viver, tendo a natureza como ferramental arquetípico e referencial sobre o ritmo das transformações.

Um paralelo similar e que talvez possa facilitar no entendimento dessa proposta é exatamente algo muito em voga hoje: a famosa proporção áurea ou número de ouro, como um aspecto de harmonia global métrica encontrado na essência de todas as coisas, desde uma flor ou concha até na formação de uma galáxia, o que comprovaria as relações matemáticas existentes no universo. Busca-se reproduzi-los na arquitetura, na arte, na música ou até nas medidas de um cartão de apresentação, como um reforço estético, para se atrair cura ou mesmo abundância pessoal, como uma busca de equilíbrio por repetição. Entretanto, um ponto vista mais cético que não é muito comum nos entusiastas seria questionar se essa condição que parece tão explicita e óbvia como tendo origem na natureza existe de fato nela, ou se o homem é que enxerga esse padrão pelo seu próprio filtro, buscando na linguagem construída até então (a matemática, no caso) uma sequência de números que comprovariam a representação de um suposto ideal, este último tão determinante no nosso modelo de pensamento socrático-platônico e tão sutilmente reforçado nas nossas posturas morais de certo e errado, de bem e mal, pelos hábitos pessoais que ditam o que é o “normal”, o “comum”, enfim.

Assim, o Wu Xing, sob uma indagação similar, seria uma linguagem construída para se tentar entender os resultados das ações nos processos de juízos de valor que se ocorre ao tentar conhecer a si próprio, filtrando e fragmentando emocionalmente uma energia neutra repleta em sentimento (portanto, gerando caos e potencial de realização – que se traduz em experimentação e aprendizado). Por outro lado, num ponto de vista sistemático, poder-se afirmar que não haveria sentido prático em discutir se tais padrões (5 Elementos, Proporções Áureas, etc) existem verdadeiramente na natureza ou se são frutos da interpretação, pois o que importa é que elas funcionam. Sem dúvida, mesmo essa perspectiva sendo razoavelmente válida e condicionante até hoje, a pergunta que se levanta, nos Novos Tempos, é: Quanta energia pessoal se gasta, bem como o que se abre mão, essencialmente, para se manter essa visão particularmente transcendental do mundo funcionando, mesmo que se sinta, cada vez mais, que essas convicções já não garantem felicidade nem mesmo funcionam minimamente para se obter sucesso ou segurança interna?

Dessa forma, mesmo havendo referenciais práticos necessários (que fundamentam as harmonizações nas mais variadas aplicações, da Medicina Chinesa ao próprio Feng Shui), recomenda-se estimular, desde já, um novo olhar sobre o Wu Xing, como sendo um potencial de transformação e linguagem interna, não meramente uma força externa que te condiciona ou em que você é apenas um resultante.

Voltando às explanações do segundo texto e à questão levantada ao término do artigo anterior: Os conceitos sobre o Yin-Yang e sobretudo o Qi não seriam completas em si (sendo verdadeiros códigos da natureza) e, por conseguinte, não necessitariam de revisões e adaptações sutilmente sugeridas pelo autor? Em momentos de tantas mudanças globais, e momentos de incerteza, tais averiguações parecem ser imprescindíveis (e validadas pelo sentir reflexivo, não pela crença ou justificada pelo dogma apenas), mesmo que se se entrem em choque com supostos tratados ancestrais ou mestres tradicionais. Para isso, talvez seja importante uma visão mais cética (não confundir com menos sensibilidade, mas sim algo baseado na manutenção da dúvida, sobretudo nos aspectos que parecem ser certos e definitivos), coragem para mudar e, sobretudo, um olhar mais imanente. Imanência, em contraponto à transcendência, é uma visão baseada no presente, onde se vive as experimentações da vida pela própria vida em si (e não algo além dela), o que desvincula do cotidiano a noção de ideal e de evolução espiritual como fundamento moral, e mais ainda, do resultado benéfico ou do que se espera como conclusão linear a algo que se está fazendo certo ou até por merecimento. Assim, imanência é fazer algo diferente no presente, assumindo como fundamento a incerteza e abarcando o devir (um vir a ser constante, sem garantias estáticas).

Por conseguinte, quando se opta por crer em modelos de pensamento que geralmente fundamentam mundos estáveis e que gerem alívios e garantias de sobrevida, onde estará a pessoa e o que será dela quando se notar que tais estruturas estão cada vez mais frágeis, menos precisas e mais discrepantes no caminho desse ser em constante transformação, nos Novos Tempos? Talvez entender que os conceitos esotérico-metafísicos (seja o Tai Ji, o Qi, ou o Wu Xing) são tentativas de linguagem interpretativa do mundo e do homem, não fatos ou verdades idealizadas do que se chama de “natureza maior”, sendo as adaptações nos códigos, perspectivas necessárias que podem representar o berço para um Feng Shui mais ético, corresponsável e menos devocional.


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