De tempos em tempos, sou flagrado com observações de alunos ou colegas a respeito da minha pessoa. Alguns até ousam comentar, meio encabulados, que se assustam com o tom deveras pessimista de meus textos, principalmente ao compará-los com a maneira supostamente “leve e alegre que ministro os cursos”, nas palavras de uma amiga. “Parece meio contraditório”, ouço assim, de supetão. Quando há tempo para um diálogo, argumento que me considero bem otimista até, mas um que apenas não fomenta “fadas guardiãs, amor quântico como cura, nem gratidão como pensamento positivo”. Se há ainda mais questionamento nesse sentido, costumo lançar uma provocação até mesmo sobre a validade do Feng Shui (seja tradicional, moderno, etc) como uma técnica viável para soluções práticas para a vida em geral, o que tende a deixar ainda mais atônito o participante que está iniciando as formações em nosso instituto. Se isso por vezes acontece com pessoas conhecidas e durante os eventos presenciais, imagino como os artigos podem soar incômodos (espero não ofensivos) aos leitores desavisados que não me conhecem pessoalmente, e que buscam respostas ou dicas rápidas para um bem-estar instantâneo, sobretudo agora, na proximidade das festas natalinas.
    
    Aos que acompanham a evolução dos textos desde o ano passado, nota-se que em alguns dos escritos anteriores (Moradia, Lar, Festividades e Questionamentos – dezembro de 2017, O Ano Wu Xu - Cachorro de Terra Yang e A Casa Amaldiçoada – fevereiro e novembro de 2018, respectivamente), há uma costura conceitual, o reforço de uma linguagem crítica que, para alguns, talvez se baseie no negativismo e pessimismo. A prova cabal seria o título do artigo desse mês, uma contradição absurda, já que o período deveria promover palavras de tolerância e resgate da esperança, principalmente num ano tão desafiador e polarizado. Nesse sentido, reforço meu posicionamento otimista, mesmo que defenda a condição de que a esperança é algo nocivo e não uma virtude que deveríamos ter ou fomentar.

    Existem dois problemas na esperança. A primeira é facilmente entendida a partir do seu radical esperar, um permanecer passivo, para um ser que sonha por dias melhores, mas aguarda que alguém ou alguma força maior o motive ou resolva a questão, tal qual na obra de Samuel Becket. A esperança só existe num estado de carência, de falta, a partir de uma condição ou algo que não se tem e não se vê perspectivas de obtê-lo por si só no momento. A outra explanação é um pouco mais sofisticada, e pode ser esclarecida a partir de antíteses: se uma pessoa é feliz, ela não é infeliz, e quanto maior é a alegria, menor é a tristeza, obviamente. Entretanto, no que tange a esperança, essa oposição simplista não funciona. Aliás, é invertida, já que afirmar que um indivíduo tem altas doses de esperança é o mesmo que dizer que este também tem receios e temores estruturais em grau elevado (sobre a não concretização daquilo que se almeja). Em outras palavras, quanto mais esperança na melhora, maior é o medo do oposto. Ouso até dizer que o esperançoso é um pessimista que usa o otimismo como dogma e a expectativa, como linguagem.

    Se essa esperança passiva é um desalento, não haveria nenhum benefício ou qualidade, em algum nível? Na ótica da esperança pragmático-utilitarista da pós-modernidade, esta condição de espera niilista-transcendental parece não ter solução. Mas num outro ponto de inferência, baseada no Sentir a Si, onde o autoconhecimento não é um simples meio para se tentar atingir a abundância e sucesso idealizados, mas sim uma ferramenta de reflexão baseada num constante devir, essa condição poderia estimular um fundamento diferenciado, que seria o de Esperançar ou a da Esperança Ativa, que “(...) é (o ato de) ser capaz de recusar aquilo que apodrece a nossa capacidade de integridade e a nossa fé ativa nas obras (...), é a capacidade de olhar e reagir àquilo que parece não ter saída (...)”, segundo o filósofo Cortella. Mas para isso, seria necessário incorporar o incômodo como ferramenta de modificação (e não como problema a ser eliminado), aumentando-se a possibilidade de deslocamento paradigmático, e diminuindo, portanto, a rasa associação direta entre problematização e negativismo, juízo prático e pessimismo, autoajuda motivacional e otimismo crítico.

    Mas como esse espaço também é voltado a dar dicas objetivas, haveria alguma recomendação para o leitor, alguma simpatia para melhorar a harmonia pessoal nesse Natal? Afirmo de antemão que SIM, e recomendo que peguem um lápis ou caneta para anotar o ingrediente principal, um segredo guardado, como diriam os antigos africanos. Aqui vai: “Fuja, um pouquinho que seja, do pensamento mágico como ato de esperança nesse fim de ano e início de 2019!”. Não se preocupe tanto se sua roupa íntima é nova e se está nos conformes de prosperidade ou paixão, se o branco da camiseta combina incrivelmente com a prata do colar, ou mesmo se o saltar das sete ondas te alinha com o seu Orixá de Frente. Se tais ações reforçam a sua religiosidade, que esta também se atrele num movimento d’Alma, em que estimule, durante o rito natalino, mais acolhimento nos encontros possíveis e menos a tolerância pela cortesia contextual. Que se possa estar nos ambientes realmente de maneira presente, e não apenas por obrigação moral ou num gerundismo veloz (“Vou estar passando rapidamente aí”), e que se consiga perceber e diminuir a soberba espiritualista ao detratar aquele familiar chato com suposta energia ruim, geralmente feita pelo sensitivo da turma que não queria estar ali, mas que também não sabe onde está. Que tenhamos o diálogo sem a motivação alcoólica, do encontro sem o baldrame catártico. De sentir a gratidão pelo momento, sem usá-la como verborragia mística de um bem-viver, de desenvolver a habilidade de ser verdadeiro sem cair nas ácidas mazelas da franqueza do que não me convém. Que possamos, por fim, não cultivar a esperança por nada disso, por conseguir experienciar o que se é, nesse retorno do diferente.

    E essa é a Casa Desesperançada, que conseguiu diminuir, pela lucidez dos moradores, a maioria das expectativas de melhora externa, pois estes tornaram-se geradores autônomos de tal demanda, pela constante modificação interna. Este lar torna-se, portanto, o local mais otimista e alegre possível, tão leve quanto concreto, tão silencioso quanto festivo. Se isso é uma utopia, que esta perspectiva possa estar além de um “não lugar fictício”, mas um referencial de ação prática, de reavaliação e motivação no presente, fruto de uma extensão do Sentir, de uma Esperança Ativa. Somente nesse instante, qualquer rito é validado: de velas a panetones, de cânticos a frisantes, já que se sabe que nada disso é causal, apenas expressão sensível de cunho qualitativo. Mas entende-se também que tudo isso é válido, pois orna incrivelmente bem...

    Portanto, um ótimo Natal Desesperançoso a Todos!

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