*Márcia Letícia Glomb

O surto de coronavírus, classificado como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), traz consequências jurídicas aos cidadãos brasileiros. Pela dimensão global e velocidade com que o vírus se espalha, houve a necessidade de uma rápida intervenção do poder executivo, que encaminhou um projeto de Lei ao Congresso Nacional, prontamente aprovado, originando a Lei 13.979/20. A portaria 356 do Ministério da Saúde trata de medidas regulamentares à Lei.

A legislação em questão explana métodos que poderão ser adotados para enfrentamento da emergência de saúde pública, como isolamento, quarentena, determinação de realização compulsória de exames médicos, tratamentos clínicos específicos, dentre outros. Além disso, estabelece uma distinção entre isolamento e quarentena, sendo a primeira a separação de pessoas doentes ou contaminadas e a segunda, restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estão doentes, a fim de evitar a possível contaminação de pessoas saudáveis, tal como a propagação do coronavírus.

No âmbito trabalhista, a Lei prevê que as faltas ao serviço serão consideradas justificadas, hipótese em que o contrato de trabalho fica interrompido e o empregado poderá deixar de comparecer sem prejuízo de salário. Essa disposição conflita com o dispositivo da legislação previdenciária (lei nº 8213/91), que estabelece a responsabilidade do empregador pelos 15 primeiros dias de afastamento, sendo os dias subsequentes assumidos pelo órgão previdenciário, que arcará com o pagamento do benefício de auxílio-doença. Possivelmente deverá prevalecer este entendimento, não se vislumbrando nenhum prejuízo ao empregado.

Em relação à quem não está ao abrigo da CLT, lembro que os autônomos e microempreendedores individuais, assim como os demais segurados,  também possuem direito ao benefício do auxílio doença, desde que tenham contribuído para o INSS.

Um aspecto interessante a ser notado diz respeito ao caso de o trabalhador contrair o coronavírus no ambiente de trabalho. Isto poderá ser considerado como uma doença do trabalho? A resposta está no art. 20, §1º, alínea “d” da Lei 8213/91, ao estabelecer que “não são consideradas como doença do trabalho: a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho”.

Logo, só haverá doença do trabalho, equiparada à acidente do trabalho, se o trabalhador adquirir o vírus em decorrência do seu exercício laboral, como, por exemplo, enfermeiros, médicos e trabalhadores em hospitais no geral, assim como agentes de coleta em laboratórios, atendentes em postos de saúde, entre outros. Nota-se que essa caracterização possui relevância, pois aquele que é acometido de doença de trabalho, nesta situação, poderá ter direito à estabilidade no emprego, por um ano após a alta previdenciária. Nesta hipótese o empregador deverá realizar a emissão de CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho).

Nos casos em que haja afastamento de empregados em razão do Covid-19 e houver falta de mão de obra, um recurso para que as empresas possam continuar suas atividades, minimizando eventuais prejuízos, é a contratação de empregados por prazo determinado, em que há data certa de início e fim do contrato de trabalho, tendo em vista a natureza transitória do surto.

Caso o empregador insista na exigência da prestação de serviços em ambiente nocivo, com “perigo manifesto de mal considerável”, conforme estamos referindo, o empregado pode considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização, de acordo com o que estabelece o art. 483 da CLT.

O trabalho em home office pode ser uma solução para tentar conter o avanço da disseminação do vírus, em atividades que permitam a flexibilidade desta modalidade. Neste caso, será necessário fazer um aditivo contratual ao contrato vigente, que não pode acarretar em prejuízos ao colaborador, sob pena de nulidade, e a empresa deve arcar com custos adicionais que o empregado terá com água, luz, internet e infraestrutura no geral. O regime de jornada de trabalho a qual o colaborador está submetido deve permanecer inalterada. Cabe aos empregadores estabelecer as regras dos custos e controle da jornada e das atividades dessa modalidade, através de implementação de uma política interna.

Nas situações em que haja redução ou paralisação das operações, por falta de insumos, por exemplo, dada a excepcionalidade da situação, as empresas podem conceder férias coletivas aos empregados, devendo comunicar ao órgão local do Ministério do Trabalho. Também é lícito em caso de força maior, reduzir a jornada ou o número de dias trabalhados, reduzindo em até 25% os salários dos colaboradores, proporcional à redução da jornada. Para tanto, deve ser respeitado o salário mínimo da região e ainda haver prévio acordo com entidade sindical correspondente, estipulando prazo não excedente a 3 meses.  Cessados os motivos de força maior, é garantido o restabelecimento dos salários integrais e condições de trabalho.

Ressalta-se que é dever do empregador cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, mantendo um ambiente sadio aos seus empregados, portanto as superfícies e objetos devem ser limpos e desinfetados com regularidade e devem ser disponibilizados meios de prevenção do contágio ao vírus, como álcool gel e outros equipamentos de proteção. A Organização Mundial de Saúde pede para que se avaliem os riscos e benefícios de viagens para fins profissionais e possibilidades de realização de reuniões à distância. Qualquer sinal suspeito que de um funcionário possa estar com o vírus, deve ser orientado para que procure um médico para realização de exames e tratamento específico.  A situação é tão grave, que o bom senso e a razoabilidade de ambas as partes é o melhor caminho para resolução de qualquer divergência, pensado na saúde e bem-estar de toda coletividade.

*Márcia Letícia Glomb é advogada especialista em Direito do Trabalho e sócia do Glomb & Advogados Associdados

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