Brasil: um país refém de bancos

            Não está na hora de falarmos a verdade sobre a profunda relação que existe entre a taxa de juros praticada pelo Banco Central do Brasil, a Selic, e a ineficiência dos bancos estatais e privados brasileiros? Ou seguiremos nos iludindo com a velha cantilena de que os bancos, no Brasil, são eficazes, enxutos, fizeram a lição de casa na época do Proer e tudo está bem enquanto o mundo inteiro ajusta seus sistemas financeiros?

            O debate sobre a taxa de juros praticada pelo Governo Federal, a maior do mundo, omite o essencial: mais do que qualquer variável econômica como taxa de inflação, crescimento, níveis de consumo ou emprego, o que influencia o elevado patamar da taxa de juros brasileira é o fato de que os bancos, por aqui, dependem de sua manutenção em altos níveis para seguirem sobrevivendo com suas estruturas profundamente anacrônicas e obsoletas.

            Desde 1998, o Doutor em Contabilidade da Universidade de São Paulo, Alberto Borges Matias, autor do livro “As razões do insucesso de bancos privados brasileiros”, aponta para o fato de que se a taxa de juros fixada pelo Governo Federal tivesse padrões norte-americanos, naquela época em 5% ao ano, hoje em patamares negativos, os 10 maiores bancos privados brasileiros desapareceriam em no máximo dois anos.

            Por que isso? Porque a taxa Selic regula as relações financeiras entre bancos e Governo Federal, remunerando aqueles recursos que os bancos captam do grande público a taxas ridículas (poupança, fundos de investimento, CDBs) para emprestá-los ao Governo Federal via títulos públicos. Somente nesta operação, sem precisar fazer praticamente nada, os bancos ganham boa parte de seus lucros, pois um exame acurado da “lucratividade” dos principais bancos brasileiros vai mostrar que muitos deles tem nessas operações, ditas de tesouraria, mais de 80% de sua lucratividade. Que tipo de banco competitivo é este? Talvez “banco parasitário” seria uma melhor qualificação.

            Em 2003, com a chegada do Governo Lula ao poder e anos após o Proer, que “salvou” os bancos brasileiros da bancarrota, Àgnes Belaisch, do Fundo Monetário Internacional (FMI), promoveu um estudo sobre a competitividade dos bancos brasileiros, intitulado “Do Brazilian Banks Compete?” ou “Os bancos brasileiros são competitivos?” O resultado mostrou o mesmo cenário já apontado por Matias, ou seja, a atuação dos bancos privados brasileiros é oligopolista, totalmente dependente das taxas de juros fixadas pelo Governo Federal para alimentar uma lucratividade conquistada de modo fácil, sem nenhuma necessidade de competir e investir em produção, crédito ou consumo.

            Mas se os bancos privados brasileiros dependem do Banco Central do Brasil para sobreviver, esses estudos vão mostrar que os dois bancos estatais federais dependem ainda mais de elevadas taxas de juros e se tornariam inviáveis se essas taxas caíssem para patamares civilizados em função de suas estruturas envelhecidas, caras e ineficientes. Isto nos remete a uma pergunta que nunca é feita pela sociedade: precisamos mesmo de dois bancos federais de varejo, ou sua existência se justifica, hoje, pelo simples fato de que se transformaram em cabides de empregos e moeda de troca em negociações políticas?

            O resultado desse quadro bizarro é a manutenção da taxa de juros em patamares elevados porque isso garante a sobrevivência de bancos obsoletos, com tecnologias superadas, incapazes de lucrar através do estímulo à produção. É esta a razão que leva o Banco Central do Brasil a resistir tremendamente a qualquer redução da taxa, aproveitando toda mínima oportunidade para elevá-la mesmo quando, no mundo inteiro, países com bancos centrais menos “privatizados” caminham na direção oposta e reformulam drasticamente suas estruturas financeiras. As mudanças na caderneta de poupança que o Governo Lula está prestes a promover estão relacionadas exatamente a esta mesma questão, ou seja, a ine ficácia dos bancos brasileiros.

            Este impasse tem solução? Sim, tem, e exige coragem! Qualquer governo sério, digno desse nome, já teria convocado os banqueiros e dado a eles um prazo para os ajustes necessários, ainda que esses ajustem impliquem em fusões, aquisições e associações visando a criação de bancos com escala e, mais importante, eficácia sistêmica, o que os bancos brasileiros, campeões de reclamações de clientes, certamente não tem.  

            O debate sobre a taxa de juros no Brasil está idiotizado, pois esconde dados importantes sobre a real situação de nosso mercado financeiro que nunca foi confortável e é dominado por gigantes com pés de barro. Talvez o único mérito da crise atual esteja no fato de que o mundo está promovendo ajustes em seus sistemas financeiros. Mas nós, aqui no Brasil, seguimos nos iludindo e sairemos da crise com o mesmo sistema financeiro inepto de sempre, bancos anacrônicos, privados e estatais, que exigem altas taxas de juros para sobreviver e terminam por sacrificar toda uma sociedade com a complacência de todos os governos. Até quando?

Texto de: Armando Levy - professor de Marketing e Cultura Organizacional da Universidade Metodista de São Paulo, Consultor do Núcleo Profissional da Câmara Brasil Alemanha e autor de estudos como “A terceirização de marca no mercado financeiro” e “Propaganda, a arte de gerar descrédito”, lançados pela Editora da Fundação Getúlio Vargas (FGV).



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