Conheci há muito tempo, uma mulher chamada Maria do Socorro. Foi com ela que aprendi uma das coisas mais preciosas, o ensinamento mais profundo de minha vida. Naquela época o meu modo de viver era bastante tacanho e medíocre no sentido de não conseguir usar minha sabedoria e força interior para entender e modificar as coisas. Andava pela vida lamentando o fato de não ter muitas posses, de querer ajudar e sempre pensar que era tão carente que nada tinha para doar. Não sabia o que era dar ou receber. Estava cheia de problemas, de responsabilidades e lidava dolorosamente com elas.


Foi então que Socorro apareceu na minha vida. Mulher alegre, debochada, cara de pau, morava na favela, cheia de filhos, um dos quais, morava com a avó em Pernambuco, e que era a paixão secreta de Socorro. Ela falava demais do menino, de quem tinha muitas saudades e vivia fazendo planos para ir visitá-lo.


Viver em favela, perto do Rio Tietê, dizia-me Socorro, “-é deitar e não saber se vai levantar, corremos o risco de enchente, de incêndios e na época vira e mexe os tiroteios entre grupos rivais, faziam com que a família de Socorro, dormisse no chão. Muitas vezes o chão estava encharcado de água. Só Deus mesmo é por nós. A pressão da favela é diferente do que estamos acostumados. Lá existem coisas muito contraditórias, uma união, uma disponibilidade e uma resistência muito maior. Impera a lei do silêncio e existe a “honra de bandido”, onde os moradores são respeitados, desde de que respeitem as leis da favela.


Dizia-me ela: -Amiga! Quando rezo o Pai-Nosso, é de verdade, que penso no pão nosso de cada dia, dai-me hoje, pois amanhã eu não sei, só Ele é que sabe!
Foram muitas histórias dos filhos comendo produtos de validade vencida. Arrepiava!
Um belo dia, ela me visitou e contou-me que estava se preparando para ir a Pernambuco ver o filho. Ia quase sem dinheiro, de carona com um caminhoneiro e com outro filho a tiracolo. Falei-lhe que ela era insensata por se arrastar numa viagem com o filho, que era loucura sair sem dinheiro, sem nada. Mas, ela estava decidida e pronta, confiava plenamente na vida e que tudo se resolveria, se ajeitaria e que ela me provaria que não era uma bobagem.


Três meses depois, recebo a Socorro em casa e pergunto ansiosa se ela havia viajado, e como fora. Calmamente ela me respondeu que sim, que havia ido, e que tudo correra muito bem. Contou-me como havia sido a viagem.

-Saímos daqui, eu e o Joel, de carona num caminhão. Levei dinheiro para o café e pão. Tivemos que ir em cima do caminhão. Foi muito divertido! O motorista ia parando nos postos da estrada. Meu dinheiro acabou logo, e numa das paradas, vi que só tinha o dinheiro para um café e um pãozinho. Comprei, dividi com o Joel e fiquei observando o restaurante. Como íamos ficar algumas horas por ali, sem nada para fazer, resolvi trabalhar um pouco no restaurante, recolhi os copos, pratos e talheres espalhados e fui levá-los para a cozinha. A cozinheira estava toda aperreada, cheia de coisas para fazer, me agradeceu surpresa pela ajuda inesperada. Olhei para um canto da cozinha e vi uma abóbora enorme madura e perguntei:


- É pra fazer doce?
- Sim, mas, eu nunca tenho tempo para cortá-la e esta quase estragada!
- Pois, me dê uma faca, que eu descasco e corto para você.
- Puxa vida! Você pode mesmo? Que bom! Fico muito agradecida!


E lá fui, cortar a abóbora e ajudar a fazer o doce, o jantar, a lavar a louça. O resultado foi que consegui uma amiga, recebi uma proposta de trabalho, ganhei o meu jantar e o de Joel, e ainda ganhei um dinheiro que deu até o fim da viagem. Já o dinheiro para voltarmos foi mais fácil, pois arrumei uns bicos por lá, onde todo mundo me conhece e voltamos de ônibus.


Quando a alegre Socorro foi embora, percebi porque ela era tão feliz e tinha tanta fé! Quanto ela se sentia repleta do bem. E o quanto ela sabia dar e receber. Dava de si mesma e o universo sempre lhe respondia. Movia-se nele, totalmente à vontade, desprovida de medo e de qualquer julgamento. Aberta, risonha, generosa, livre e totalmente solta.


Foi a partir deste dia que aprendi o que era dar e receber. E o mais importante - que a gente sempre tem algo para dar. Alguns meses depois, outro fato aconteceu me mostrando e comprovando que Socorro era um ser humano muito especial, mas, esta é uma outra história. Obrigada Socorro! Você muito me ensinou!

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