Paliação é essencial no suporte a pacientes e familiares na terminalidade da vida
Recentemente, a terminalidade da vida foi alvo de repercussões em todo o mundo, em decorrência da morte do cantor de rock David Bowie por um câncer. Mark Taubert, especialista em Cuidados Paliativos do NHS (Serviço Nacional de Saúde britânico) em Cardiff, Reino Unido, redigiu uma carta endereçada à Bowie, publicada na revista médica inglesa “BMJ”, em 15 de janeiro de 2016. No documento, Taubert traz à reflexão a terminalidade da vida e o papel dos cuidados paliativos.
Para o geriatra e presidente da Comissão de Cuidados Paliativos da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Daniel Azevedo, esta discussão precisa ser escancarada pela sociedade, para que as pessoas reconheçam e enfrentem o tabu da morte. “Ninguém precisa morrer sozinho. A família pode fazer muito para confortar a pessoa que se despede da vida e converter a morte num evento repleto de significados”, avalia.
Tratamento que busca dar suporte a pessoas com doenças incuráveis, que ameaçam a vida, como alguns cânceres, por meio do controle da dor e de qualquer sintoma que cause desconforto, os cuidados paliativos ainda são subutilizados no Brasil. “A essência dos cuidados paliativos consiste em permitir que a pessoa e seus familiares possam viver plenamente o tempo que lhe resta. A intenção não é dar anos a vida, mas sim, vida aos anos. Valorizar o tempo que resta”, relata Azevedo.
De acordo com o geriatra, todas as doenças crônico-degenerativas têm indicação de cuidados paliativos: demência, síndrome de fragilidade, doença renal crônica, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica, cânceres e tantas outras. “Os profissionais precisam reconhecer essa indicação para prestar uma assistência paliativa adequada às pessoas de quem cuidam, respeitando a biografia e as preferências de cada uma delas”, enfatiza o geriatra.
Paliação x dificuldade de acesso
No Brasil, existem fatores que limitam a ampliação da oferta de cuidados paliativos, esclarece o especialista da SBGG. Segundo ele, a população, de modo geral, desconhece o objetivo desse tipo de cuidado, reconhecendo-o como um sinônimo de ‘cuidados ao fim da vida’ quando na verdade esta modalidade terapêutica é bem mais abrangente e por vezes iniciada alguns anos antes da morte da pessoa. “Ou até décadas, como no caso de uma demência de progressão lenta”, pontua o geriatra.
De acordo com levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgado em 2014, os cuidados paliativos estão ao alcance de apenas uma em cada 10 pessoas. Atualmente, há apenas 20 países que possuem sistema adequado. O Brasil não faz parte desse grupo.
“Estes indicadores revelam que pessoas com doenças incuráveis não têm sintomas adequadamente tratados. Além disso, são subestimadas as necessidades sociais, psicológicas e espirituais dessas pessoas e de seus familiares. Trata-se de uma questão de saúde pública e o mundo passa longe de atingir a meta de uma cobertura mais ampla”, completa o médico.
Ainda segundo Azevedo, o acesso a serviços de cuidados paliativos e a medicamentos para controle de dor e outros sintomas no ambiente domiciliar atualmente é limitado em todos os níveis de assistência a saúde. Existem muitas pessoas que não estão recebendo o tratamento devido e, por isso, morrem sentindo dor ou falta de ar por causa de legislações ultrapassadas para controle de medicamentos que são rigorosas demais.
Para tentar mudar esse panorama, o geriatra defende ser urgente incluir a disciplina de “cuidados paliativos” no currículo de todas as profissões da área da saúde, com o intuito de preparar os profissionais desde a graduação para lidar com a finitude, incutindo a certeza de que existe sempre muito a se fazer, mesmo que o paciente seja portador de uma doença incurável. “Com a formação de profissionais capacitados e a criação de centros para a prestação de cuidados paliativos, a assistência tende a ser mais abrangente e permitir que as pessoas sejam acompanhadas desde o momento do diagnóstico de doenças sem cura”, explica Azevedo.
Testamento Vital
Ainda há, segundo Azevedo, pouca divulgação sobre as chamadas “diretivas avançadas de vontade”, também conhecida como testamento vital. O documento permite que qualquer indivíduo, maior de idade e plenamente consciente, tenha possibilidade de definir junto ao seu médico os limites terapêuticos a serem adotados em uma fase terminal, por meio do registro expresso do paciente.
Com a diretiva, o geriatra explica que as pessoas podem escolher não serem submetidas a tratamentos extraordinários de manutenção da vida na fase final de doenças como demência, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica ou câncer, quando já não existe possibilidade de reversão do quadro. Mas ressalta que o cuidado deve continuar até o momento da morte, com ênfase no controle dos sintomas e na resolução de pendências. “A pessoa não é abandonada jamais e o foco da intervenção passa a ser o seu conforto”, pondera.
Considerado um passo importante na consolidação dos preceitos dos cuidados paliativos, o testamento está previsto na Resolução 1.995, do Conselho Federal de Medicina (CFM), no Diário Oficial da União (D.O.U.), de agosto de 2012.
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